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A obra como espelho - Filme "Santiago"


Por Carolina Natal
05/09/2007


Neste fim de semana tive o prazer de assistir “Santiago” filme dirigido por João Moreira Salles.
Já tinha lido na Folha de São Paulo, um autor que não me lembro quem era, dizendo que o próprio personagem Santiago nada mais era que o espelho do seu diretor.
Ao ler essa matéria fiquei curiosa e me senti convidada a conhecer a então imagem refletida do próprio João.
Santiago havia sido seu mordomo por 30 anos e, João provavelmente saudoso de sua infância, daquele tempo que não volta mais, e já órfão de seus pais, procurou Santiago justamente por ele ter sido a testemunha mais fiel daquela família.
As imagens são todas realizadas no apartamento do mordomo, em planos gerais, portanto distantes, e por vezes interceptadas pela voz do João que dirigia seu ex-mordomo.
Espantei-me com tamanho conhecimento de Santiago que se afogava em seus escritos imortalizando a história das dinastias. Para ele, sua solidão era apenas física, pois emocionalmente transitava em outra dimensão junto com suas palavras impressas.
João pedia para que Santiago contasse sobre as festas realizadas em sua casa, sobre os arranjos de flores que ele mesmo o preparava, na tentativa de aproximar-se de um tempo perdido no passado.
Certamente a mansão dos Salles foi influenciada pelo bom gosto e pela delicadeza do seu mordomo que se transborda de alegria ao espantar-se com sua própria capacidade de conhecimento, capaz de transportá-lo a um mundo imaterial, embora sempre estivesse cercado de pessoas com muita riqueza material. Santiago dança com suas mãos, portando castanholas, ao fundo de uma música clássica. Reinventa-se. No silêncio, suas mãos ditam a melodia da música.
Essas gravações foram feitas há alguns anos, mas só depois de 13 anos é que o diretor realmente resolveu trabalhá-las para a criação deste documentário. Durante todo esse processo, desde a captação dessas imagens, até sua edição final pareceu-me que João mergulhou profundo em sua trajetória, refletindo sobre si mesmo propondo um novo direcionamento sobre sua vida. Mas o mais belo disso tudo é quando ele mesmo reconhece e diz no filme, que só depois de algum tempo é que percebera que sua relação com Santiago durante as filmagens ainda estavam impregnadas pela relação que tiveram por 30 anos: Santiago ainda era o mordomo, e João ainda era o patrão. E de fato, essa relação é bem transparente no filme.

“Escrevo simples, não enfeito”

Por Carolina Natal
13/08/2007


Exposição da Clarice Lispector no Museu da Língua Portuguesa, São Paulo.

Ao ouvir essa frase da própria autora (que virou título deste pequeno texto), contida num vídeo exibido na Mostra, fui tomada por uma alegria fugaz, mas profunda, por identificar-me com tal pensamento.
A verdade é que somos engolidos continuamente por uma pressão não só externa; em que é necessário que se produza, que se mantenha em contínua atividade de criação, como também pela pressão de nós mesmos, inicialmente autores das obras ainda invisíveis ao público, ainda em estado de gestação, de amadurecimento.
Neste período de invisibilidade da obra, ou seja, época em que ela ainda está sendo construída, o imaginário do autor percorre por espaços movediços, por idéias flutuantes, e por suportes às vezes desnecessários. É natural que durante todo o processo de criação as reflexões tomem rumos que se transformem diariamente, modificando as funções iniciais e tirando os “excessos” que vão sendo revelados por si só, pelas percepções e pela constante instigação das intenções.
Na Exposição, deparo-me com paredes que são “enfeitadas” pela “simplicidade” das palavras de Clarice. Ao inverter essa frase descubro que o simples torna-se o adjetivo do próprio enfeite, neste caso, o pensamento de Clarice expresso por suas palavras.
Em cada frase observo a profundidade da natureza intensa desta autora, defrontando-me com sua verdade da maneira mais crua e pura. Ao mesmo tempo em que provoca um estranhamento pelo modo aparentemente inerte em que lida com suas reflexões, Clarice encanta-me justamente pela capacidade de atingir tanta intensidade utilizando-se de algumas poucas palavras, mas que dizem tudo.
Parece-me que ela lida muito bem com os tais suportes desnecessários, tanto que nem os utiliza. Despoja-se facilmente escrevendo sua percepção simplista!