Por Carolina Natal
17/01/2013
17/01/2013
O curta Le
Ballon Rouge (1956) dirigido por Albert Lamorisse retrata a relação que se
estabelece inusitadamente entre um
menino e uma bexiga vermelha. Muito mais
que um brinquedo ou um objeto de diversão, a bexiga encontrada pelo menino vai revelando,
ao longo do filme, uma afetividade e cumplicidade com o garoto.
Numa Paris
cinzenta e em alguns momentos aparentemente desabitada o garoto realiza seu
trajeto portando a bexiga vermelha em suas mãos, suspensa por um fio. O
contraste do vermelho em relação à cidade já ressalta uma curiosidade à parte, um
caráter ao mesmo tempo lúdico e provocante. Além disso, a bexiga tem dimensão
grande, ela se impõe, inclusive, pela sua desproporção em relação ao garoto, quase
que do mesmo tamanho. Essa desproporção gera incômodo, justamente, pois a
bexiga balança, ocupa o espaço referente à circunferência que o fio que a sustenta
lhe permite deslocar. Ao dizer, parece até grotesco, mas a bexiga esbarra nas
pessoas, lança-se sobre as cabeças dos passantes ao redor, provoca este
desconforto diante da dificuldade da bexiga ocupar apenas seu espaço, no
entanto ela se derrama ao redor sem pedir licença. O que era para ser
deselegante torna-se um aceno de observação, quase uma atração.
O garoto circula
pelas ruas do bairro Ménilmontant de Paris. A cidade se torna praticamente o cenário
do filme. O menino circula pelas
calçadas, ao longo dos prédios antigos e a cidade luz sempre tão movimentada
pelos turistas se encontra pacata, com alguns espectadores que lançam um olhar
indiscreto à pitoresca “cena” do menino com a bexiga.
A relação entre
eles vai se intensificando na medida em que o menino faz da bexiga seu
companheiro de todas as horas, a ponto de naturalmente criarem um jogo de
esconde-esconde, um foge do outro, evidenciando, aos poucos a relação fraterna
que vão estabelecendo. É explícita essa
relação que se cria entre ambos, mas o mais original deste clássico é de fato
conseguir dar vida à bexiga, conseguir evidenciar que ela também tem desejos e
opiniões, que ela também sente, como, por exemplo, quando se dirige ao
professor que trancou o menino na sala lançando-se contra ele, reivindicando
sua raiva. Ou seja, através de efeitos especiais para manter a bexiga e o
menino no mesmo plano, o filme esbanja realismo, no entanto, de forma atípica.
Ressaltam-se
duas cenas fortes em que a bexiga desponta sua capacidade de ter vida própria:
a primeira é quando o menino está no ônibus e acompanha o deslocamento da
bexiga observando-a do lado de fora. Este momento é realmente vigoroso, pois a
bexiga se movimenta na cena acompanhando o espectador, como se este estivesse
no ônibus também, retratando a câmera subjetiva. O campo de visão do menino se
confunde com o campo de visão do espectador, e a bexiga baila sob nossos olhos,
não mais desgovernada como no início, mas de forma harmônica.
A outra cena que
remete à identidade viva da bexiga é quando o grupo de meninos faz de tudo para
roubar a bexiga de seu dono. Depois de muita insistência e armadilhas para
cercar a dupla, o menino é imobilizado pelos demais e a bexiga fica
desorientada. Abruptamente os meninos a cercam e atiram pedras pelo estilingue.
É violenta e covarde a ação do grupo diante da bexiga. O menino, mesmo
apreendido, gritava para a bexiga voar, fugir. A bexiga permaneceu. E, com um
silêncio duro, difícil de digerir, a bexiga foi atingida diversas vezes e, aos
poucos, suas feridas deixavam-na enrugada. Permaneceu sozinha em cena durante
seus últimos segundos. Sustentou o peso da gravidade por pouco tempo, resistiu,
mas lentamente, foi cedendo à gravidade. A poesia desta morte é cruel, dói,
parece verdadeira, tão verdadeira quanto à porção de vida que essa bexiga
possuía.
Link "Le ballon rouge" - http://vimeo.com/15187075