Por Carolina Natal
01/05/2014
01/05/2014
São nas obras da artista Tarsila do Amaral que estão a inspiração e o roteiro deste espetáculo infantil Vila Tarsila. Se, por um acaso alguém desconhece as pinturas e as cores intensas de Tarsila, certamente sairá muito curioso para investigar um pouquinho mais.
É um espetáculo que mistura a
vida e a obra da artista, cuidadosamente apresentando essas cenas-situações de
forma bem didática, bem lúdica e bastante criativa ao trazer à cena seis bailarinos
e uma atriz, compartilhando essa dança e esse teatro, aproximando e fundindo essas
expressões artísticas, assim como Tarsila transitava entre o campo e a cidade e
construía em suas pinturas um universo que fundia essas duas realidades em uma
só. Um exemplo disso é a obra “Carnaval em Madureira” em que a artista compõe a
Torre Eiffel incorporada à favela carioca. Essa fusão entre referências de
diferentes países é o retrato dos pólos distintos em que Tarsila vivia e
emprestava essa realidade para a pintura de seu imaginário.
Em Vila Tarsila, em meio às
projeções que transportam o público literalmente à obra, vê-se que a abordagem
privilegia a construção de cenas que despertaram seu fazer artístico,
considerando o tom lúdico e infantil. A personagem da Tarsila transita pelas danças dos bailarinos, pelas brincadeiras corporais, e assim vai
revelando, pouco a pouco, a relação que a artista tinha com a realidade em que vivia.
Tarsila sai
anotando tudo à sua volta, compondo seu repertório de experiências visuais que
fazem parte do seu imaginário e de sua rica mestiçagem plástica. Assim, o
espetáculo vai proporcionando ao público a experiência saborosa das descobertas
mundanas da pintora.
Sua educação com moldes e traços franceses
em plena fazenda no interior de São Paulo insinua uma cena coreográfica
criativa, com movimentos precisos, uma boa dose de humor e o disparate entre um
jogo de palavras em francês e em português, sobre comidas.
Toda a dança é regada por músicas
especialmente criada para o espetáculo e que enfatizam ainda mais essa
dualidade miscigenada: melodias do "Trenzinho Caipira" de Villa Lobos e "La Vie en
Rose" de Edith Piaf. Ambas as referências musicais, no espetáculo, declaram essa
diversidade e os retratos de cada país. Impossível não se dissolver nessa
babel.
As cores de Tarsila são muito
fortes também no espetáculo, em que as luzes alternam as cores juntamente com a
dinâmica da dança. Cria-se 'um jogo de cores, “pinturas” que se metamorfoseiam
pelos manacás e pelas paisagens rurais coloridas.
Diante dessa riqueza que
contrapõe dualidades, ao mesmo tempo, cria outro estado, uníssono, com o surgimento do famigerado “Abaporu”. Uma figura que Tarsila encontra e que tenta sua amizade.
Abaporu é um ser diferente, que causa curiosidade. Suas grandes mãos e pés
sugerem um peso que o dificulta a se mover. Tarsila tenta brincar com ele e,
depois de muita insistência, consegue despertá-lo e Abaporu se movimenta de
forma desorganizada, instilando um corpo dançante.
A pintora atribui à obra Abaporu
uma referência indígena, uma memória de infância, provavelmente das histórias
contadas pelas mulheres negras que trabalhavam em sua fazenda e que Tarsila deu
contorno às formas de uma história do folclore brasileiro. Uma invenção, no
meio de tantas outras, assim como a Cuca....
Na época, Oswald de Andrade comentou: “É o
homem, plantado na terra”.
E assim houve a eclosão da
antropofagia! A ideia de engolir a cultura européia, vigente na época, e
transformá-la em brasileira. E a imagem de Abaporu representou esse movimento. E é neste gigantismo impactante, neste
universo selvagem, que Miriam Druwe, coreógrafa, compõe o retorno de Abaporu na cena,
mas desta vez ele está enorme e mais disponível para “brincar” com a personagem
Tarsila. E assim Tarsila finaliza prometendo ao Abaporu fazê-lo ficar muito conhecido....
E, para consagrar a experiência do
espetáculo, no bate papo ao final da dança, uma criança curiosa pergunta: “E
onde mora o Abaporu?”
Nesse momento, tive a efêmera sensação de que Abaporu existe...
Nesse momento, tive a efêmera sensação de que Abaporu existe...