Por Carolina Natal
01/08/2012
01/08/2012
Esse título faz alusão a célebre obra do italiano Bertolucci “O último tango em Paris” (1972), no entanto, o trocadilho desta frase é, de fato, uma homenagem à Chris Marker, que faleceu recentemente, ressaltando uma de suas andanças ou devaneios, "Slon Tango".
Chris Marker (1921-2012) foi fotógrafo, cineasta, escritor, filósofo e tantos outros adjetivos que não conseguirão mesurar a pluralidade desse artista e a sensibilidade nata em traduzir o que significa, por exemplo, um olhar diante da câmera, como ele o faz muito bem ao explorar essas ações no filme Sans Soleil.
Seu espírito curioso e sua aversão a exposição de sua vida pública contribuiu para condensar um estado mítico ao seu redor. É como se ele quisesse ser visto mediado por suas obras e não pela sua imagem como pessoa. É como se ele se misturasse à suas obras. Que estas fossem o reflexo de sua própria pluralidade e sua própria vitrine. As imagens que ele produzia através das câmeras, seja em suas viagens, ou seja em seu dia-a-dia, era si mesmo observando e indagando sobre o mundo.
Meu contato com sua obra deu-se diante um curso de cinema na Paris III, com o prof. Philippe Dubois que apresentou em aula um trecho da obra “La jetée” (1962). As imagens iniciais do filme foram suficientes para me transtornar e o interesse em descobrir mais sobre o silêncio gritante de suas imagens em fotografia. Ele constrói um jogo de memórias e de construção de tempos que na medida em que desorienta o espectador Marker alinha sua narrativa e nos conduz ao fim que se retoma ao início. É um labirinto de sensações, segundo Dubois, o cineasta: "coloca-se no futuro, para falar do presente, como se fosse o passado." Essa confusão retoma sua questão fundamental: a memória.
Por acaso, sincronias da vida, descobri seu despretencioso vídeo "Slon Tango": a cena se trata de um elefante que aspira e solta a terra do chão. No entanto, essa simplicidade torna-se um evento.
Num plano sequência de quase quatro minutos Marker flagra um ritual curioso de um elefante. Esse animal utiliza sua tromba para transportar a terra do chão às suas costas, praticamente banha-se de terra. Diz-se que após banhar-se de água com sua tromba ele despeja terra sobre si com a finalidade de servir como uma camada protetora, seja do sol, de insetos, queimadura ou umidade. Sua aparência espantosa exige particularidades delicadas, paradoxas.
Este banho inicia-se com o movimento da tromba, mas ao longo deste ritual vê-se que a própria tromba vai revelando uma dinâmica muito particular, quase um sensor que se desloca com muita propriedade arrastando-se no chão. Junto com a tromba, suas patas deslocam-se para frente e para trás simulando um tango, uma transferência de pesos muito suave e com perfeito domínio e coordenação. Não bastando essa singela organização, o elefante retira a pata do chão, suspendendo-a e balançando-a docemente, extremamente dosada, harmonicamente dançada.
Suas patas fazem um semi-círculo ao redor da pata correspondente. De fato, é possível deslumbrar um par de patas como um casal que entrelaça suas pernas seduzindo o público através de seus passos de tango.
Seu rabo e suas orelhas também se movimentam, dando continuidade ao tango que é exemplar na sua postura agressiva, de tão precisa. Suas costas também se sacodem, se integram no todo e o elefante seduz seu espectador assim, simplesmente banhando-se de terra.
Maker é que dá o tom do tango ao inserir esta música de Stravinsky. Não poderia ter tido outra percepção que esta: um tango solo. Sim, existe, mas foi o primeiro e último tango de Chris Marker.
Link "Slon Tango": http://www.dailymotion.com/video/x7ptie_slon-tango-1993-chris-marker_animals
Link "Slon Tango": http://www.dailymotion.com/video/x7ptie_slon-tango-1993-chris-marker_animals