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Nederlands Danse – Borboletas que giram (n)o espaço


Por Carolina Natal
09/07/2012

Depois de mais de vinte anos à frente da renomada Compania Nederlands Danse, o coreógrafo tcheco, Jiri Kylián, deixou seu legado e sua marca ao seu discípulo Lightfoot. A Cia viveu a transição da transferência de uma identidade que lhe fora conquistada por Kylián e a sede da necessidade de novos tempos.

No programa do espetáculo do Teatro Municipal de São Paulo, contou-se com dois espetáculos distintos: Sehnsucht e Schmetterling, ambos dirigidos por Sol Leon e Paul Lightfoot.
Ao lançar a palavra Sehnsuch para ser traduzida ao português, lê-se como tradução: saudade. O espetáculo inicia com uma cena de um cubo suspenso tendo uma única aresta aberta, a que  determina a frontalidade ao público.

Dentro deste cubo, vê-se uma porta, uma janela na lateral, uma pequena mesa no canto e um casal de bailarinos. Fora do cubo, sobre o palco, encontra-se um bailarino que realiza um solo de dança. 
Essa estrutura espacial agregada à coreografia promove uma suspensão ao espectador, gerando ambiguidades: será o cubo a projeção de uma imagem ou de fato um elemento real da cena? Esta profundidade e perspectiva espacial, proporcionada pela própria arquitetura do cubo, lança a sensação desta identidade ser explicada pela projeção de uma imagem.

O público, movido pela música de Beethoven e pela qualidade de movimentos dos próprios bailarinos, é surpreendido pelo cubo que, lentamente, vai girando e moldando os bailarinos a uma nova situação espacial. As referências aparentemente fixas mudam de posição: a porta, a mesa e a janela compõem novas configurações geográficas ao espaço e os bailarinos se reorganizam delicadamente neste universo que gira e que propõe novas explorações coreográficas.

Não se tem mais dúvidas de que este cubo é real, que é um elemento de cena que a todo momento reconstrói a coreografia e exige dos bailarinos toda a disciplina e precisão de movimentos para estes se sincronizarem com este espaço que, por vezes, gira e pausa na diagonal.

O giro quando não se completa de volta ao seu ponto de partida exige que toda a percepção espacial seja reformulada. Portanto, a janela que se encontra na lateral do cubo se transforma em um buraco no chão ou no teto e, a bailarina, experimenta essa possibilidade de escapar-se ora pelo teto, ora pelo chão, ora pela lateral. Essa capacidade de experimentar proposições estéticas inusitadas ao corpo, em função do convite proposto pelo próprio espaço físico, promove contribuições no espaço coreográfico. Instala-se a todo tempo nova relação entre o espaço e o corpo.

O domínio dos movimentos dos bailarinos durante o deslocamento do cubo é exemplar e extremamente preciso. A tradução do título da obra, para saudade, explica ou provoca interpretações a respeito dessas duas supostas temporalidades inscritas na cena, a partir da suspensão do cubo: do tempo presente, designada pelo bailarino sobre o palco, e do tempo passado, designado pelo casal no interior do cubo suspenso. Essas duas cenas se inter-relacionam como se fossem as diversas "janelas" de um computador, como recortes de imagens justapostas, sob a perspectiva da linguagem cinematográfica e, neste caso, sugerindo o diálogo entre ambas. É através da percepção desta cena como janelas que ocorre a justaposição dos tempos e dos espaços, propostos pela narrativa dessa cena. A saudade da memória de um passado se instala no jogo desta justaposição.

A estrutura do cubo se desloca ao fundo e sai de cena. Entram os demais bailarinos que invadem o palco, apropriando-o e afirmando a qualidade da Cia. Quando o cubo retorna à cena, a mulher se projeta sobre a janela lateral e seu corpo é puxado para fora, mas o público não vê o que está fora do cubo. Vê apenas a saída triunfante, até seus pés saírem de cena, a última parte do seu corpo que é vista. O rapaz sai pela porta ao fundo. Resta apenas a memória do espaço, do quadrado, do cubo, do quarto. Na perspectiva da saudade, da nostalgia, escapam-se as pessoas e restam os espaços.

O jogo de luzes no cubo, gerado a partir da luz que entra na janela e que varia em função da posição desta, sinaliza a proposição de novas cenas. A leveza e a destreza dos movimentos dos bailarinos afirmam-se, sobretudo, diante do controle que eles mantêm enquanto se sustentam movendo-se suavemente durante o giro, desta vez não dos seus corpos, mas do cubo.

A qualidade técnica dos bailarinos é uma marca da Compania Nederlands, que se mantém forte e vibrante diante de qualquer diretor.

Já o espetáculo Schmetterling (Borboleta) se anuncia como imensos portais, passagens localizadas ao centro do palco que, aos poucos, vão conduzindo-os a uma nova cena, um fundo preenchido por um grande espaço de céu, um céu escuro, de início de noite, com algumas nuvens que contrastam a cor da noite. Essa imensidão do céu aproxima-se à imensidão dos próprios bailarinos que dançam e que ocupam esse infinito. Surpreendentemente, essa imagem, que também simulava ser uma projeção, vai sendo desfeita pela lateral, é uma cortina que vai se fechando, se enrugando, e o espaço se desfazendo.

Esplêndido bailado que faz o público girar e adentrar o infinito, como borboletas que giram, flutam e dançam no espaço.