por Carolina Natal
11/06/2017
11/06/2017
Esta resenha compõe o Festidança (2017) realizado pela
Fundação Cultural Cassiano Ricardo - São José dos Campos - SP.
Naharin cresceu
numa comunidade Kibutz, onde as
crianças conviviam a maior parte do tempo juntas, compartilhando seus afazeres
no brincar, no banhar-se, no dormir. Tal referência e experiência de grupo e de
comunidade tornou-se uma potencialidade e forte marca identitária nas obras de Naharin.
O israelense
teve passagem no exército e, por conta de ter problemas físicos, serviu o
exército apresentando dança de entretenimento aos soldados. Viveu o conflito do
paradoxo entre as imagens da guerra, presenciadas e vistas com seus próprios olhos,
e a distração em forma de dança. Tais contrastes provavelmente possibilitaram
imagens corporais que foram desenvolvidas mais tarde, quando Naharin se lançou
ao mundo profissional da dança.
Em seguida, viveu
muitos anos nos Estados Unidos, onde fora recebido com muito entusiasmo por
grandes coreógrafos, como Martha Graham e Maurice Béjart. Seu corpo trazia uma
particularidade interpretativa que encantava e seduzia seus parceiros de
trabalho. Foi fora de seu país, visto com um corpo exótico, que Naharin foi,
aos poucos, encontrando sua identidade, a força de seu gesto. Sua movimentação
conecta-se a uma força selvagem, uma brutalidade animal misturada com doses de
delicadeza, forças femininas exaladas com tônica de agressividade. Contrastes que
se fundem e que revelam propriedades particulares, inventivas, corporeidades
flexíveis que vão traçando e fortalecendo uma experiência cênica.
A partir dessas descobertas,
o israelense percebeu que não se encaixava em formatos de Companhias em que ele
deveria repetir as composições coreográficas em que ele não acreditava, que não
traziam sentido ao seu corpo. Assim, não se enquadrando nos formatos
encontrados, o bailarino seguiu investigando suas potencialidades, criando
grupos de trabalho, até que fora convidado a voltar ao seu país, mas dessa vez,
para dirigir a Companhia Batsheva de Dança, instalada em Tel Aviv. O retorno ao
seu país consagra a possibilidade de colocar em prática suas crenças, de
ampliar seu repertório com um elenco que se configura como uma vitrine que representa
sua pesquisa corporal.
Naharin preserva
uma explosividade ambígua em seu corpo: ao mesmo tempo que consegue acessar uma
estética de movimento em grupo, que encanta, que arrebata, pela força do coletivo
que sugere essa expansão em metáforas de explosão; Naharin lança aquela
explosividade latente que não se rebenta externamente aos olhos de quem aguarda
a obviedade da expansão do movimento, mas, ao contrário, desafia seus
bailarinos a acessarem a essência de tudo, no nada, na ausência do movimento,
ou no movimento mais pormenorizado que seja. Esses contrastes harmonizam, de
forma súbita e violenta, a exuberante composição gestual que é impregnada de
emoção e sentimentos.
A linguagem Gaga surgiu quando Naharin se viu
imobilizado corporalmente por conta de uma operação na coluna, em que ele
acreditava que não conseguiria mais nem andar. Essa situação limite se
identifica com a maneira clássica com que técnicas e linguagens de movimento
sejam criadas, assim como o foi com a Técnica Alexander e a Eutonia. Insistente, viu-se obrigado a reagir contra suas limitações e foi
através da escuta e da própria percepção de si que o coreógrafo foi desenvolvendo
o estudo do corpo, ampliando espaços corporais inexistentes e possibilitando a
brecha de um movimento.
Gaga é uma experiência para todos os
tipos de corpos. É uma estimulação corporal que possibilita que a dança
aconteça no corpo, inclusive, acreditando ser uma possibilidade de cura. Um
coletivo de movimentos que emana força, que vibra e amplia os espaços corporais
através de uma busca sensitiva de movimentos. Naharin estimula ecos nos corpos,
ecos em forma de movimento, os quais compõem texturas, acionam músculos e
deixam a gravidade moldar.
Naharin coabita
formas distintas de trabalho: ao mesmo tempo em que dirige a Cia Batsheva,
exigindo a intensidade explosiva, seja nos mínimos movimentos ou mesmo na
ausência destes, lapidando corpos incessantemente na repetição, na experimentação,
nos detalhes de intenção; Naharin também tem a habilidade de agregar corpos não
dançantes e compartilhar sua linguagem, Gaga,
com dezenas de pessoas, acessando-as, através da sensação do movimento no
corpo. Transitar entre esses diferentes lugares: da exigência de um diretor
diante de uma Companhia de referência, para a dança como possibilidade para
todos, é o que traz também a força de seu trabalho.
O filme pulsa,
assim como a explosão da sua linguagem, Gaga,
para o mundo. Gaga traduz o grande
coletivo que habita em Naharin, como uma imagem que permanece viva e intensa de
sua experiência no Kibutz.