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A RUA COMO ELA É - Texto sobre o espetáculo “Ruas” – Companhia o Clã da Dança

por Carolina Natal
16/06/2017

Esta resenha compõe o Festidança (2017) realizado pela Fundação Cultural Cassiano Ricardo - São José dos Campos - SP. 


Prelúdio - Um Conto Urbano: “A rua com ela é”

São Francisco Xavier. Uma igreja. Muitas montanhas. Uma praça. Demarcação no chão, ao centro da praça, simbolizando um palco. Pessoas ao redor. Turistas, vizinhos, moradores. Cachorros. Bêbados. Crianças. Pássaros. Ruídos. Falas. Conversas íntimas, não mais íntimas. Risos. Cerveja. Carros. Ônibus e Ponto de ônibus. Danças urbanas. Experimentação do palco. Movimentos. 2 bailarinos. Um bêbado. Vários cachorros. Bailarinos X bêbado. Bêbado rouba a cena. Bêbado dança, imita o bailarino, improvisa na ginga, desequilibra, cai, levanta, luta sem contato. Risos da plateia. Luta com contato. Senhor local interfere. Fim do conto urbano.

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Fotografia: Elisa Nogueira

Imersos já nas tensões inerentes ao contexto da rua, a Companhia o Clã da Dança, dirigida por Mônica Alvarenga, inicia a interferência urbana com sua obra “Ruas”. Vestidos de cinza e preto, cada qual com um corte de roupa diferente do outro, ocupam essa praça tornando esse espaço cênico, ao centro, o local da apreciação.

A obra apresenta um breve recorte, pois ainda está em processo de criação, e parte de uma pesquisa corporal da Companhia foi realizada nas ruas atenta aos gestos, deslocamentos, imagens, movimentos, olhares, relações, não-relações. Essa observação teve também como eixo a linguagem corporal do Tai Chi Chuan, que conecta a natureza e o meio ambiente. A Cia habita esse espaço aberto reproduzindo essas conexões que refletem a própria realidade. O som parece ter toque de sinos, que podem pontuar ritmos, sejam eles externos ou internos. Um mantra.

A presença do Tai Chi Chuan entra como pretexto, como um alinhavar dos movimentos corporais cotidianos, folclóricos e urbanos propostos pela Cia. A diversidade da rua é contemplada pela pluralidade inventiva em seus próprios corpos.

O ritmo urbano se amacia com instantes de quietude corporal. São pausas que acolhem e silenciam não só o corpo que se move, mas o público, o qual é interpelado momentaneamente pela ausência, quase um mistério que se gesticula na pausa.

A metáfora do mistério considera a relação entre o corpo e a natureza. Entre a percepção e a realidade. Entre a criação e a ilusão. São como segredos que não são ditos pelas palavras, mas escapam nos gestos, nas ações. Ruas faz uma interferência urbana, mas mantém a tradicionalidade do palco italiano. Promove um contato com o público ao aproximarem-se dele e propor uma interação. Recriam as posturas, gestos e movimentos do espectador. Compartilham os segredos corporais através da proximidade física, que pode causar o estranhamento por parte de algum espectador. Mas isso pertence ao mundo da rua...

Nas ruas, as pessoas esbarram-se, desviam-se, apressam-se, às vezes sentem-se perdidas.

A Cia apresenta uma organização urbana com diversidades de movimentos. Entre caminhadas, surgem passos folclóricos e até a lança do maracatu rural, toda colorida. O bailarino compõe seu gestual urbano com inserções populares.

Fotografia: Elisa Nogueira
Finalizam com movimentos pendulares, aos poucos silenciando os corpos e magnetizando as pessoas. Suas presenças captaram a atenção do público, mas a rua é dotada de imprevisibilidades, de ruídos, de situações que podem ser inconvenientes ou desorganizadoras. É um espaço democrático, podendo também cumprir o papel de ser o palco da discordância, da luta, da resistência. Neste espetáculo a obra não foi atravessada por intervenções externas, apenas o prelúdio, o antes do início. No entanto, outros formatos dessa obra poderão existir para abrigar e agregar possíveis rupturas urbanas, assim como o improviso da vida como ela é.