por Carolina Natal
Essa resenha compõe o Festidança (2017) realizado pela
Fundação Cultural Cassiano Ricardo - São José dos Campos - SP.
A obra “Por um fio” tem como pretexto o diálogo com o artista plástico
Arthur Bispo do Rosário (1909-1989), que viveu por anos recluso em um hospital
psiquiátrico perambulando entre o delírio e seus escapes poéticos traduzidos na
arte que produzia. A partir de materiais reciclados, Bispo construiu um mundo
paralelo `a sua realidade manicomial e foi transformando sua condição
“carcerária” em inventos e lampejos de existência.
O palco compõe a obra de seu universo, que contém inclusive uma aparência
lúdica, dois grandes mantos, na cor parda, que designam a fronteira do espaço
cênico. Esses mantos são representações da obra “Manto da Apresentação” que Bispo
bordou incessantemente durante sua vida, uma mortalha sagrada, para ser usada
em sua passagem final. Esse manto traduz seu bordado, seu pensamento, seus
amontoados, suas obsessões.
Neste contexto, a Cia Mimulus debruça-se sobre esse inventário de imagens
e memórias para traduzirem sua própria dança, que sobrevive nessa penumbra não
só de luz, mas de resistência, de possibilidades de mudanças, de caminhos que
se tornam necessários fazê-los independente da direção. Os bailarinos têm como ponto de partida a
pesquisa dos movimentos da dança de salão, que vai sendo naturalmente transformada
em novos experimentos estéticos, os quais extrapolam a própria modalidade
rasgando-se para combinações corporais e visuais, que trazem um novo frescor ao
olhar da dança de salão. O espetáculo se
concentra fortemente, de forma cênica, nas diversas proposições com o jogo de
luzes e fios.
Com lâmpadas suspensas e somente uma sobre o solo, ao centro, o
espetáculo inicia apenas com essa luz acesa, que comporta, também, a ideia de
haver uma luz menor, abrigando
questões filosóficas, que o escritor George Didi-Huberman descreve em seu livro
“A sobrevivência dos Vaga-lumes”. Esse autor relaciona essa luz menor com a ideia de que: “tudo adquire um valor coletivo”, de modo que
tudo ali fala do povo e das “condições revolucionárias” imanentes à sua própria
marginalização.” De fato, os bailarinos transitam metaforicamente pela vivência
do artista, Bispo. Nesse cenário, essa penumbra física e emocional, torna-se
coletiva, e mostra a sobrevivência em um contexto aniquilador.
De modo mais
prático, essas luzes se deslocam, ora acima, ora suspensas mais abaixo, ora se deslocando
como pêndulos, ora fisgadas pelo movimento dos bailarinos, ora mais acesas, ora
na penumbra, ora com a intensidade baixa: como os vaga-lumes.Vaga-lumes
errantes que, juntos, iluminam e incomodam. É o alumiar dos corpos, da dança
que reflete a luz em manifestação viva, como lampejos intermitentes.
Já os fios, estes também tecem a dramaturgia do espetáculo do início ao fim. Um bailarino perpassa a linha sobre a roupa de uma bailarina, tecendo delicadamente esse corpo, esse tecido, enlaçando sentimento e intenções. Desse corpo, transporta a linha para o Manto, que compõe o cenário. Depois, a dança vai esbarrando em outras possibilidades com o fio, que vai do lúdico ao trágico. Em determinado momento, uma bailarina permanece ao fundo enrolando-se vagarosamente, o fio no seu próprio pescoço. Enquanto isso, em primeiro plano, um casal dança, alheio à poesia fatídica que compõe o movimento circular ao fundo. É um caos que se revela como o próprio caos inerente à vida, como o caos presente tanto no hospital psiquiátrico que Bispo frequentou, quanto no próprio cotidiano que nos incita em mostrar crueldades, mas amortecidos, desviamos o olhar.
Já os fios, estes também tecem a dramaturgia do espetáculo do início ao fim. Um bailarino perpassa a linha sobre a roupa de uma bailarina, tecendo delicadamente esse corpo, esse tecido, enlaçando sentimento e intenções. Desse corpo, transporta a linha para o Manto, que compõe o cenário. Depois, a dança vai esbarrando em outras possibilidades com o fio, que vai do lúdico ao trágico. Em determinado momento, uma bailarina permanece ao fundo enrolando-se vagarosamente, o fio no seu próprio pescoço. Enquanto isso, em primeiro plano, um casal dança, alheio à poesia fatídica que compõe o movimento circular ao fundo. É um caos que se revela como o próprio caos inerente à vida, como o caos presente tanto no hospital psiquiátrico que Bispo frequentou, quanto no próprio cotidiano que nos incita em mostrar crueldades, mas amortecidos, desviamos o olhar.
Os bailarinos demonstram
destreza e despojamento nos movimentos que se estruturam na dança de salão,
sobretudo no samba, na gafieira, no entanto, inseridos num pensamento mais
contemporâneo, eles não encerram essa movimentação segundo as formas usuais praticadas
pelos salões. Os bailarinos ampliam essas formas e transformam em sensações,
traduzem o próprio toque, inerente à dança a dois, como uma construção que vai
sendo lapidada, conquistada, assim como se observa na técnica de
contato-improvisação. O contato com o outro corpo exige uma pesquisa para que o
tônus corporal possibilite a entrada do movimento do parceiro. Nesse sentido, a
Cia Mimulus esbanja esse trânsito gestual que amplia formas e volumes, confundindo
movimentos, assim como as assemblages inscritas na composição artística de
Bispo.
São
experimentos e pesquisas de corpo que apontam buscas, caminhos, possibilidades,
assim como um duo, ao final, ao som de um piano, que se confunde a técnica da
dança clássica com a dança de salão. São proposições que se arriscam, enlaçadas
ou não aos fios, a autênticas composições.