por Carolina Natal
12/06/2017
Esta resenha compõe o Festidança (2017) realizado pela
Fundação Cultural Cassiano Ricardo - São José dos Campos - SP.
Fluxos é uma
obra coreográfica desenvolvida pelo grupo Sala B, dirigido por Fernando de Castro e sediado na cidade de Belo
Horizonte, que trata sobre a investigação do cotidiano no ambiente urbano. A
composição do espaço é parte fundamental para estabelecer a relação entre os
bailarinos e perceber como esse vínculo se multiplica em interações, que
direcionam para as conexões urbanas.
O espaço
cenográfico é composto pela junção de três elementos: uma cortina que se
estende ao fundo, como longas faixas de PVC em preto com um espaço, restrito e
demarcado, em branco, simbolizando um espaço de passagem; dois longos tapetes que
atravessam o palco, como passarelas; e o recorte da luz, que se organiza de
forma precisa e geométrica, como corredores.
Fotografia: Paulo Amaral |
Os bailarinos,
ordenadamente, dispõem-se ao longo da demarcação desse chão, percorrendo esses dois
tapetes paralelos, como se estivessem ocupando as calçadas de uma rua. De
maneira apática, esses bailarinos atravessam o palco inicialmente caminhando,
como transeuntes que praticamente nem se percebem. Depois vão mudando e
variando ritmos pessoais. Uns param, outros seguem, uns caem, outros... nem
percebem. Essa insistente passagem, que se torna repetitiva para reforçar
sistemas de representação de modos de vida das cidades, traduz o espaço também
como experiência de corpo.
O grupo Sala B propõe
um gestual da técnica clássica, simultaneamente explorando a dança contemporânea
alinhando-se a geometrias corporais, ângulos e trajetórias precisas, que
potencializam a ideia desta mobilidade urbana. Ações banais do ato de correr contribuem
para estereotipar a ocupação desse “não-lugar” que, segundo o escritor Marc
Augé, caracteriza-se pelo espaço não personalizado, pelo espaço de rápida
circulação e que não cria vínculos, relações ou afetos. Correm sem sair do
lugar. Correm até não alcançar. Correm sem perceber. Correm para não parar.
É uma polifonia
de corpos que gera o caos, que se oculta de forma organizada, alinhada,
adestrada. A ideia dessa ocupação linear vai se tornando tão insensata que, de
repente, os bailarinos atravessam o palco carregando as bailarinas suspensas,
na horizontal, eretas, como se fossem objetos, cones, ou qualquer material insignificante.
Aliás, qualquer coisa, menos um corpo, que se traduza em um ser humano. O
espetáculo vai provocando risos, que são frutos da própria ironia que essas cenas
desafiam o espectador.
Fotografia: Paulo Amaral |
Abre-se um novo elemento
no espaço. Outro corredor, que sai da cortina ao fundo, em branco, e segue até
a boca de cena. Essa nova demarcação rompe as passagens paralelas já existentes
e desorganiza a geometria proposta até então. Agora os espaços se cruzam,
podendo abrir possibilidades de interação. Nesse novo itinerário, os bailarinos
se alinham e caminham, juntos, em direção ao público. Seus olhares fincam no
horizonte, fortes e fixos. Dançam nesse recorte espacial e inicia-se a sensação
de existência de afetos, talvez pela proximidade dos corpos, talvez pela junção
do grupo. Ao finalizar uma das músicas, somos surpreendidos pelo som de palmas.
Essas palmas, que fazem parte da sonoplastia do espetáculo, incitam uma
perspectiva dos intérpretes estarem sendo observados, sendo apreciados, ou
mesmo, vigiados?